03 agosto 2011

Os “peões” da Defensoria Pública da União


O termo “peão” pode assumir uma série de significados, a depender do contexto em que é empregado: no xadrez é a peça mais simples, com os movimentos mais limitados do jogo; numa organização militar, é aquele que ocupa o posto mais baixo da hierarquia, geralmente engrossando as fileiras da infantaria; na fazenda, é o indivíduo que, montado a cavalo, tange o gado do patrão; na construção civil, é o indivíduo dito menos qualificado, que executa as tarefas braçais dos canteiros de obras.

Há cerca de um ano, quando ingressei por concurso público na Defensoria Pública da União, descobri que “peão” servia também para classificar o servidor do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo (PGPE). Uma vez “peão”, passei a perceber que, mesmo no interior de um órgão de missão essencialmente democrática como a DPU – à qual compete a defesa judicial e extrajudicial dos hipossuficientes na esfera federal –, um direito como o de executar precipuamente as atribuições do cargo é tornado privilégio. Assim, o desvio de função se transforma em algo comum para quem está na “área meio” da instituição: agentes, analistas, arquivistas, assistentes sociais, bibliotecário(a)s, contadore(a)s, economistas, jornalistas, psicólogo(a)s, publicitário(a)s, sociólogo(a)s, técnico(a)s em assuntos educacionais… são todos “peões” que, nas várias unidades do Brasil, vêm desempenhando as mais variadas tarefas, em geral estranhas e sobrepostas às dos respectivos cargos.

Os que reivindicam seus direitos mais básicos, como trabalhar na devida função, ser tratado com urbanidade e cumprir carga horária regulamentada, costumam ser assediados moralmente. É que questionar ilegalidades e abusos implica, quase que instantaneamente, em questionamento da pirâmide social que se ergueu dentro da instituição. Esse sim constitui um verdadeiro desvio, a ser corrigido em fases que não necessariamente seguem esta ordem:

1) ao concursado do PGPE é (re)lembrada a sua condição de “peão”, que só está ali para a substituição de terceirizados, desde 2008 pactuada com Ministério Público do Trabalho (MPT), mas ainda não efetivada;

2) ameaças lhes são feitas de maneira implícita ou explícita, tais como a abertura de processos administrativos disciplinares (PAD) e a retaliação econômica e funcional na vindoura avaliação de desempenho (que ainda não se sabe lá que critérios objetivos seguirá); e

3) as ameaças se concretizam, a exemplo do que vem ocorrendo em São Paulo, onde para 3 colegas “peões” já foram abertos PADs (dois dos quais se encontram arquivados), e em Guarulhos, onde o sindicato defende 1 colega “peão” contra processo que não parece ser disciplinar (isto é, desobedece aos ritos e preceitos constantes na Lei 8.112/90).

Essa é a situação em que se encontram grande parte dos 311 “peões” aprovados em concurso público para o quadro administrativo da DPU. Muitos já pediram exoneração do órgão, seja por terem passado em concursos mais promissores, seja por não suportarem mais as contradições de quem deve defender o povo mas acaba atacando o servidor. Muitos ainda permanecem, embora, por uma série de fatores, poucos se posicionem efetivamente contra os descalabros administrativos na referida coisa pública.

Aos trancos e barrancos, a organização dos “peões” da DPU vem se construindo por vias formais e informais. A internet tem se revelado a grande ferramenta de luta até o momento: foi por meio de fóruns de discussão que, com o apoio dos sindicatos, conseguimos realizar, em 28/06/2011, o “Encontro Nacional dos Servidores da DPU” na CONDSEF em Brasília. É imprescindível que os colegas se unam em cada local de trabalho, vez que questões aparentemente localizadas sinalizam problemas que, em maior ou menor grau, tendem a afetar a coletividade dos trabalhadores – tanto dos que estão na instituição, quanto dos que necessitam que atuemos em nossas áreas e prestemos um serviço público eficiente, democrático e de qualidade.

E que não tenhamos vergonha de sermos “peões” e transformemos isso em nossa identidade de luta.

Daniel de Oliveira – Sociólogo – Servidor da Defensoria Pública da União no Ceará – “Peão”

Comentários 1 comentário

  • Liana Pessoa26/05/2016Responder
    liana_pessoa@hotmail.com
    E hoje, como estão essas relações de poder dentro da DPU? A ironia da finalidade versus as ações é absurda. No Ceará, a DPU ainda continua com essa forma de tratar seu "peões"? Eu fiz esse último concurso para sociólogo. Como essa carreira funciona dentro de um organismo tão essencial à democracia e ao acesso à justiça? Obrigada.