18 março 2022

Governo Bolsonaro trabalha pelo desmonte da Conab e da política nacional de alimentos – Confira Nota da Fenadsef


A ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, além de outros membros do alto escalão do governo, têm anunciado pela imprensa a intenção de transformar a Conab em “Agência de Inteligência Estratégica”

O governo Jair Bolsonaro pretende dar mais um passo para desestruturar por completo a política de armazenamento e controle de preços de alimentos e de fomento a produção de agricultores familiares que era missão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, além de outros membros do alto escalão do governo, têm anunciado pela imprensa a intenção de transformar a Conab em “Agência de Inteligência Estratégica”.

Diante de mais essa ameaça, a Fenadsef emitiu uma nota em defesa da Companhia e convocando as demais entidades de servidores e empregados públicos, assim como os parlamentares comprometidos com a democracia a saírem em defesa da Conab e de suas políticas.

Veja o documento na íntegra

EM DEFESA DA CONAB COMO EMPRESA PÚBLICA

Não ao desmonte travestido de “agência de informação”

Membros do alto escalão do governo, inclusive a Ministra Tereza Cristina, têm anunciado pela imprensa a intenção de transformar a Companhia Nacional de Abastecimento-Conab em “Agência de Inteligência Estratégica”.

É contraditório com os objetivos da Conab (Lei nº 8.029, de 12.04.90, Art. 16, Inciso II) dentre os quais estão:

          a)  garantir ao pequeno e médio produtor os preços mínimos e armazenagem para guarda e conservação de seus produtos;

          b)  suprir carências alimentares em áreas desassistidas ou não suficientemente atendidas pela iniciativa privada;

          d)  formar estoques reguladores e estratégicos objetivando absorver excedentes e corrigir desequilíbrios decorrentes de manobras especulativas;

Depois de muitos anos de relevantes serviços prestados à sociedade, norteando-se por esses objetivos, observa-se que, nos últimos anos, a Conab tem sido esvaziada.

Quando a conjuntura está favorável, o mercado dá até uma aparência de funcionar, sobretudo nos grandes centros. Mas quando há eventos que afetam os estoques de alimentos em nível nacional, como problemas climáticos, desastres naturais, incidentes globais, é imprescindível a intervenção do Estado, devidamente preparado para regularizar o abastecimento ou mesmo constituir retaguarda para eventualidades.

Em 2020, em plena pandemia da Covid-19, os grandes produtores preferiram exportar o arroz – essencial na alimentação do povo – para o mercado externo. Os estoques estratégicos do governo federal estavam em níveis esgotados e o desabastecimento no mercado interno levou o preço do grão  a níveis estratosféricos.

No início da pandemia o governo precisou da Conab para fazer chegar o alimento às camadas mais desassistidas da sociedade e, mais uma vez, lá estava a companhia pronta para o trabalho. Todavia, isso parece ter sido esquecido depois que passou o momento mais grave.

Está claro que o governo se nega a utilizar as capacidades da Conab para o cumprimento de sua missão de garantir segurança alimentar e regulação do mercado.

A política de manutenção de estoques estratégicos de alimentos, utilizada por muito tempo, foi totalmente abandonada, pois os governos mais recentes acreditavam e provavelmente ainda acreditem que o mercado se autorregula em qualquer situação.

Hoje, a guerra que coloca a Ucrânia como joguete da disputa entre EUA e Rússia já está impactando a situação no Brasil com o brutal aumento dos combustíveis que certamente repercutirá nos itens da cesta básica, além da carência de certos produtos no mercado internacional, principalmente fertilizantes.

Neste caso, o Brasil vai pagar caro pela política privatista e destruidora dos governos Temer e Bolsonaro que fecharam fábricas de fertilizantes na Bahia, Sergipe e Paraná?, além de abandonarem a construção de novas fábricas em Minas e Mato Grosso do Sul.

Por outro lado, a China acaba de cancelar a recepção de seis navios brasileiros carregados de soja e a Índia tem diminuído suas exportações de farelo e óleo de soja, enquanto diversas empresas esmagadoras de grãos anunciam estar fora das vendas. A continuar esse cenário, onde serão armazenados os estoques de soja e milho, por exemplo? É, assim, colocado a nu o prejuízo incorrido com a desativação das unidades armazenadoras.

Além disso, a disparada dos preços do combustível, aliada a outros fatores que interferem no mercado, já alavancaram o preço do frete e essa situação aponta para uma escalada ainda maior da inflação, pegando o governo, mais uma vez, sem meios de intervenção para auxiliar na regulação do mercado.

É um fato: como resultado do abandono de políticas públicas nessa área, não existem hoje estoques governamentais de alimentos para contingência, nem para intervir no mercado nem para apoio aos programas sociais que minimizem a fome de milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza.

Há anos os empregados da Conab vêm alertando os governantes sobre os riscos de abandonar as políticas públicas sociais de abastecimento alimentar.

Justo quando a guerra agrava a situação, com resultados imprevisíveis, o governo avança essa “reestruturação” para fazer da Conab uma “agência de inteligência estratégica”.

O fato de essa proposta não ter sido sequer informada aos empregados, que trabalham para cumprir os objetivos legais da Conab, é um dos elementos que indicam que tal “reestruturação” se faz para abandonar de vez a missão legal da Companhia prevista inclusive na Constituição Federal (Art. 23, inciso VIII):

          Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

          VIII – fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;

Diante da turbidez que envolve a mudança pretendida, é preciso saber o real objetivo dessa agência.

Se a intenção for atribuir à Conab análises macroeconômicas do mercado agrícola, não haveria choque com o trabalho do IBGE e IPEA? Há notícias de que o foco seria produzir informações a partir de dados primários. Isso procede? Se sim, é claro que haveria necessidade de força de trabalho das superintendências regionais, o que prejudicaria suas outras atividades. Como, então, seriam realizadas as outras atividades da companhia, tão importantes para a sociedade? Como ficaria a subordinação dos empregados das regionais?

Observa-se, pelas parcas informações obtidas até então, que o direcionamento de parte da Conab para uma “AGÊNCIA” enfraqueceria todas as demais atribuições da empresa. Nesse sentido, como ficariam as atribuições relativas à agricultura familiar e a sócio biodiversidade nessa nova estrutura? Como ficarão as atividades atuais com o provável desfalque de pessoal que será alocado nessa agência?

Até onde se sabe, a nova estrutura seria voltada a análises econômicas com forte viés para o agronegócio exportador, relegando a agricultura familiar a um plano pouco importante. Num país com a estrutura agrária e agrícola como o Brasil, diminuir a atenção dada à agricultura familiar, levará o agricultor familiar a dificuldades de grande magnitude e facilitará a concentração de terras em latifúndios, aumentando os bolsões de pobreza e concentrando a renda entre aqueles que já detêm a maior parte da riqueza nacional. A Conab não deveria fazer o contrário, centrando esforços para essa parcela da sociedade em vez de se voltar às camadas mais privilegiadas?

Fica evidente que ao levar essa parte da Conab para uma agência a empresa será enfraquecida, logo, como ficam as questões sociais numa Conab enfraquecida?

Porque transformar em agência se as atividades pretendidas podem ser perfeitamente desenvolvidas dentro da própria Conab, sem enfraquecê-la no exercício suas demais atribuições?

Há notícias de que outras mudanças estão em curso noutras áreas da Conab sem a participação dos empregados que são, realmente, quem acumula a experiência e conhecimento para promover transformações que atendam aos anseios da sociedade, dos produtores e do Estado brasileiro, sem perder as reais aptidões da companhia, estabelecidas em Lei e na Constituição Federal.

Finalmente, não é surpresa que nesse mesmo momento o governo esteja tentando impor aos empregados a retirada de direitos e o congelamento salarial nas negociações dos acordos coletivos de trabalho. Enfraquecer o corpo de empregados é coerente com o desmantelamento da Companhia.

Conclamamos as demais entidades de servidores e empregados públicos e os parlamentares comprometidos com a democracia à solidariedade em defesa do serviço público e das empresas públicas. Enquanto a população brasileira não puder exercer seu direito a uma vida digna, com segurança alimentar e nutricional, o Brasil não avançará rumo a uma sociedade verdadeiramente democrática.

Brasília-DF, 15 de março de 2022.

Direção da FENADSEF

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