Direitos dos trabalhadores estão na mira do Congresso
A agenda que o Congresso Nacional terá pela frente assim que voltar do recesso, no dia 2 de fevereiro, traz ao menos oito propostas que representam imenso retrocesso para os movimentos sindical e sociais.
São textos que tratam da privatização das estatais, redução da maioridade penal, retirada da Petrobras como operadora única do pré-sal, estatuto da família, lei antiterrorismo, ataques ao direito da mulher, terceirização sem limites e o estatuto do desarmamento.
Porém, para o analista político do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) Antônio Augusto Queiroz, o Toninho, o foco da agenda conservadora serão mesmo as reformas trabalhista e previdenciária, que parece ganhar cada mais espaço no Executivo.
Para Toninho, sem margens para incentivos e renúncia fiscal, a conta da recessão tende a cair sobre o colo do trabalhador. Ele ainda avalia que uma possível saída do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ajuda a tirar da berlinda os temas ligados aos direitos humanos.
Em entrevista ao Portal da CUT, ele alerta que não há outra saída para os movimentos além de definir uma pauta comum e transformar isso em pressão no Congresso, inclusive com exposição dos parlamentares que votarem pela redução dos direitos da classe trabalhadora.
O que será prioridade para o Congresso em 2016?
Toninho – Os projetos ligados à Agenda Brasil, aquela organizada pelo Renan Calheiros (presidente do Senado, ligado ao PMDB-AL), que tem um viés liberal muito acentuado e alcança diretamente temas de interesse dos trabalhadores. Por exemplo, o projeto da terceirização (PLC 30, da escravidão) está neste escopo e será um dos textos sobre o qual vai haver uma pressão muito forte do poder econômico e de alguns parlamentares para que seja votado. Para nós era um assunto que estava sob controle, mas, com a declaração recente do Nelson Barbosa (novo Ministro da Fazenda), falando que a reforma trabalhista está no radar, a estratégia anteriormente montada ficou fragilizada e essa deve ser uma das prioridades no Senado.
O PL das estatais, que cria condições para privatização de empresas públicas como Correios, BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e Caixa Econômica também deve ser prioridade no Senado. Tem também o desafio do combate ao trabalho escravo, já que uma proposta de regulamentação no Congresso caracteriza retrocesso em relação à emenda constitucional. Entra ainda aí o projeto da prevalência do negociado sobre o legislado, tanto no Senado quanto na Câmara, e o governo sinaliza com o envio de uma reforma da Previdência revendo uma série de requisitos para benefícios previdenciários que devem resultar em redução de direitos.
A presidenta Dilma anunciou que essa reforma deve focar, essencialmente, na idade limite para a aposentadoria.
Toninho – Depende de qual idade mínima falamos. A idade média de aposentadoria no Brasil está em 60 anos e querem estabelecer, como regra inicial, 65 anos. Se não houver um generoso processo de transição é retrocesso, sim, porque tem muita gente que começou a trabalhar muito cedo e está próxima de se aposentar. O que caracteriza um contrassenso com a recém-aprovada flexibilização do Fator Previdenciário, para que as pessoas que começaram a trabalhar mais cedo não ficassem condicionadas a uma idade mínima para poder alcançar o fator pleno.
Acho que é muito difícil o governo conseguir limitar o escopo ao aspecto da idade, porque um dos pontos principais cobrados pelo mercado é desvincular o salário mínimo do piso previdencário. O outro é alterar a forma de correção dos benefícios, eliminar a desindexação. Mas eu acho que não há ambiente para aprovar esse tipo de matéria, os movimentos são capazes de brecar essa matéria, que requer mudança na Constituição, e não creio que exista correlação de forças no Congresso para isso.
Então, 2016 será mais desafiador para os trabalhadores do que 2015?
Toninho – Sim, porque o governo está num cenário em que, pressionado pelo mercado e pela ausência de investimento, deve sinalizar com concessões que até um passado recente não faria. O governo tinha margem fiscal para dar incentivos e renúncias até 2014 e, a partir de 2015, vieram medidas que o próprio Executivo parece indicar que não foram suficientes.
Enquanto os temas de direitos humanos ficaram mais vulneráveis em 2015 em relação aos trabalhistas, neste ano eles trocam de papel. No ano passado, a despeito de ter um Eduardo Cunha pressionando, você tinha o governo dando sustentação. O Levy (Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda) não tinha autorização para interferir em temas do mundo do trabalho, situação que parece ter mudado.
Saindo do mundo do trabalho, como você acha que o Congresso receberá outras matérias polêmicas como a redução da maioridade penal e o Estatuto do Desarmamento?
Toninho – O impulsionador dessas mudanças, que representam retrocesso do ponto de vista social e atraso em relação aos direitos humanos, perdeu muita densidade. O Eduardo Cunha era o pilar e a sustentação dessas iniciativas e tudo leva a crer que será cassado ou, no pior cenário, ficará sem grande influência nas matérias legislativas. Com isso, essa agenda tende a perder força. Não há ambiente, nem mesmo na Câmara, para fazer caminhar. Ele exagerou na imposição de seus interesses sobre os comandados. Liderou uma proposta de mudança na maioridade penal, mesmo sabendo que uma postura intermediária, como a mudança no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) teria condições de ser aprovada. Exagerou e se deu mal no processo. Na questão da terceirização pesou a mão para estender até para atividade-fim, tratando também de empregados diretos das empresas, e isso gerou resistência até mesmo no Senado, uma Casa conservadora por natureza, mas que considerou muito radical a proposta da Câmara. Com isso, as propostas ficaram estigmatizadas e teremos maiores perspectivas de segurá-las no Congresso no formato em que saíram da Câmara.
Por outro lado, amplia a possibilidade que as mudanças trabalhistas e previdenciárias se concretizem pela necessidade de reafirmação do ministro da Fazenda e porque o governo assumiu essa bandeira. Mas lembro que, mesmo nos momentos mais agudos da crise, quando o governo propôs as MPs (medidas provisórias) 664 e 665 (que restringiam acesso ao seguro-desemprego e pensão por morte), conseguimos pressionar o Congresso, e nisso a CUT teve papel fundamental, para suavizar os efeitos e até arrancar uma mudança no fator previdenciário favorável aos trabalhadores, junto com a renovação da política de valorização do salário mínimo.
Você disse que 2015 foi de baixíssima produção parlamentar. Isso se repetirá?
Toninho – Em termos quantitativos, acho que será ainda mais baixa por conta da eleições municipais, por causa da crise e pela ausência de alguém que defina uma agenda, com a provável saída de Cunha. No Senado, o Renan também está vulnerável com a operação lava-jato e, dependendo dos desdobramentos, pode perder força. Mas em termos qualitativos, de repercussão puramente, será mais expressivo do que foi 2015.
Diante desse cenário, qual a saída para o movimento sindical?
Toninho – O caminho é estabelecer unidade no movimento em relação a pautas centrais e, a despeito do governo apoiar propostas no sentido contrário, pressionar para segurar essas matérias. O que poderia ser tirado da agenda pelo Executivo, já foi tirado nas MPs 664 e 665. Ou, se sentir que não há correlação de forças para barrar, a saída é fazer uma negociação para amenizar os efeitos perversos, mas acho que é possível resistir, porque as matérias expõem muito os parlamentares. Flexibilizar direitos na área trabalhista e mexer em direito previdenciário num quadro de pulverização partidária como esse, com divisão grande, com oposição votando contra o que historicamente defendeu para se contrapor ao governo, se houver unidade do movimento sindical, é possível segurar e evitar que os temas do mundo do trabalho sofram retrocesso.
Fonte: CUT Nacional
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